Aniello Greco
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Igualdade não garante isonomia

 

A Constituição Cidadã de 1988 garantiu a todos os cidadãos brasileiros direitos iguais, independente de sexo, cor, raça, crença, gênero e orientação sexual. Muitos reacionários usam este argumento para dizer que os movimentos identitários estão querendo privilégios, pois seus direitos já estariam sob a proteção da lei.

 

Contudo isto fere um dos conceitos essenciais da boa doutrina, que diz que a iSonoma jurídica se atinge tratando igualmente os iguais, e os desiguais de acordo com suas desigualdades. Temos vários exemplos de leis que protegem grupos desiguais buscando minimizar as desigualdades, atendo as necessidades específicas e criando proteções contra vulnerabilidades.

 

O exemplo mais antigo e que atinge a maioria dos brasileiros é a legislação trabalhista. Um contrato de trabalho é considerado diferente dos contratos civis, visto que a relação entre empregador e o empregado é desigual. O empregador não depende da contratação do empregado da mesma forma que o empregado depende do seu emprego. E no caso de um rompimento de contrato, o empregado será muito mais prejudicado que o empregador.

 

Portanto sem proteções especiais pela lei trabalhista, uma livre negociação entre empregador e empregado acaba por gerar condições injustas, desiguais. Para isto que existem sindicatos e direitos trabalhistas, uma forma de compensar as desigualdades e se atingir equiparação de negociação.

 

Outros exemplos que podemos citar são as leis que garantem a liberdade de locomoção dos cadeirantes, ou o Estatuto da criança e do adolescente, ou o Código de defesa do consumidor. Situações desiguais que geram a necessidade de direitos e deveres diferenciados.

 

Um exemplo recente de uma relação desigual transformando isonomia em desigualdade é o recente escândalo com o Ex-Presidente da Caixa Econômica Federal. Um enorme número de mulheres foram expostas a diversas situações de assédio por 3 anos e meio, e mesmo tendo em tese o direito de buscar a lei e se proteger, acabaram constrangidas a permanecer em silêncio, temendo represálias profissionais ou além da relação profissional, por causa da proximidade do assediador com a Presidência da República.

 

Se mesmo com todas as proteções previstas em lei, como por exemplo as delegacias especiais das mulheres, tantas mulheres continuam silenciadas por anos expostas ao assédio, isto mostra um claro exemplo de realidade onde a suposta igualdade ainda esta muito longe de ser atingida.

 

Fica claro que entre o que esta previsto em lei e o que acontece na realidade existem enormes diferenças. Mas Aniello, isto não seria então problemas na execução da lei? A criação de privilégios legais para os vulneráveis não abriria um precedente perigoso e seria inócuo? Não seria melhor criar mecanismos para que a lei atual fosse efetiva?

 

Não. Este raciocínio envolve um sem número de erros. Primeiro que muitas das leis específicas contra o preconceito existem exatamente para garantir uma execução mais adequada do que a isonomia de direitos prevê. Exemplos como as delegacias especiais da mulher, criadas para minimizar o preconceito no atendimento às mulheres pelas autoridades.

 

Além disto, ao criar tipos penais específicos como o feminicídio tem o efeito de gerar tratamento especializado para as questões contra a mulher, fazendo com que as investigações e os julgamentos sejam feitos com atenção para o tratamento desigual.

 

Não custa lembrar que apesar de nossa constituição ser bastante abrangente e igualitária, ainda assim é falha em vários aspectos. Um exemplo é a ausência de previsão de casamento e união civil entre pessoas do mesmo sexo, falha atualmente sanada via judicial. As questões de gênero quase não faziam parte do debate político à época, sendo pouco contemplado no texto constitucional.

 

E isto piora quando falamos das leis infra-constitucionais, muitas delas com mais de 50 anos de idade. Cito por exemplo a decisão do constituinte em fazer o crime de racismo ser inafiançável e não passível de graça. Esta decisão na prática é anulada devido ao código penal ter uma definição bastante abrangente para injúria racial, e bastante excludente para racismo. Como a injúria racial tem penas bem mais brandas, e é crime passível de fiança, muitos crimes de racismo acabam na prática sendo tratados como crimes menores. E os condenados sofrendo penas brandas como o pagamento de cestas básicas ou outros tipos de serviço social.

 

Mas precisamos citar ainda outro campo. A questão cultural. O direito não abrange todas as esferas da vida, e sem se mudar a estrutura social, os valores culturais, não importa que lei tenhamos, as desigualdades continuarão. Sem o debate constante destes temas e a exposição ao público destas injustiças as chances de retrocesso são quase certas.

 

Curiosamente os mesmos que querem que os movimentos identitários se contentem com as leis atuais também protestam contra toda ação cultural afirmativa contra as desigualdades. O beijo gay na novela, a personagem que muda de perfil racial, o pedido de usar pronomes específicos de acordo com a identidade, tudo isto é tratado como “mimimi”, como vitimismo, e gera revolta e gritaria.

 

Estes reacionários não querem evitar privilégios, e sim têm medo de perdê-los. Querem que aqueles que sofrem com a desigualdade lutem por si mesmos, sem incomodar a eles, mais iguais que todo o resto. No fundo boa parte deles inclusive deseja que os desiguais aceitem sua condição desigual, e abdiquem de seus direitos isonômicos voluntariamente. Pois no momento em que tentam usufruir seus direitos, como Klara Castanho, acabam virando alvo de todo tipo de ódio e escárnio público.

 

  

Aniello Greco
Enviado por Aniello Greco em 16/07/2022
Alterado em 16/07/2022
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